terça-feira, 1 de janeiro de 2008

a poesia é caríssima

A poesia é caríssima, custa muito dinheiro aos pedintes,
ali a mendigar junto ao semáforo, traje a rigor,
por dez livros de versos pagam vintes:

« - Ainda ontem tomei um copo de leite
e uma bola de Berlim, qual Belarmino na ressaca,
e não soquei ninguém neste boxe da palavra,
nesta queda no tapete a preto e branco»

Tanto verso, às vezes curto, a euro e meio,
tanta sílaba dividida pelos cêntimos!
Vendem os poetas versos livres
ou as métricas saídas do paleio
onde se finge a dor que não se sente,
se fere a angústia e fecha o cerco ao sentimento
de Pessoas ao dispor de toda a gente

(e digo isto porque tenho lido coisas!...
ai, meu Deus, que parecem ser mesmo verdade,
se calhar um poeta nunca mente.)

E a cruz arrastada do leitor que penetra na leitura
interrompendo a noite, ouvindo Debussy
decifrando versos durante as horas lisas,
folheando rimas, a surpresa dos conceitos,
sem saber que aquelas letras feitas de água
dão muita despesa, uma grande trabalheira,
e muito estudo, enquanto a noite dura?

Tantos anos de palavras e de jogos,
tantas luzes sentadas na cadeira, na ferrugem das manhãs,
no comércio do mote que os guia!

E se a sátira se estende na lombada do livro curto,
ou da antologia volumosa, (oh, senhores, de meia vida?!)
juntai metáforas, lede Camões que é bom e é barato,
ride-vos d’ O’Neill que não perdoa à graça, sofre a sorrir.

Mas, por quem sois, se arrumais carros nas pracetas,
não compreis versalhada ao desbarato, é tempo de ir
comprar poemas avulso para os bolsos.
No entanto comprai poucos,
podeis crer que as letras não são tretas
andamos todos é a ler-nos uns aos outros.

série poesia satírica, incluído em Livro de Reclamações